Oração

07/05/2024

1. O canal divino de poder

Estamos constantemente empenhados, senão obcecados, em arquitetar novos métodos, novos planos e novas organizações para fazer a Igreja progredir e assegurar a divulgação e a eficiência do Evangelho. Essa direção hodierna tem a tendência de perder a visão do homem ou afogar o homem no plano, ou na organização. O plano de Deus é usar o homem e usá-lo muito mais do que qualquer outra coisa. 

Homens são o método de Deus. A Igreja está procurando métodos melhores; Deus está buscando homens melhores. "Houve um homem enviado de Deus cujo nome era João". 

A dispensação que anunciou e preparou o caminho de Cristo, estava confiada àquele homem, João. "Um menino nos nasceu, um filho se nos deu" (Isaías 9.6). 

A salvação do mundo vinha do Filho embalado no berço. Paulo traz à luz o segredo do êxito dos homens que arraigaram o Evangelho no mundo, quando pôs em relevo o caráter pessoal desses homens. A glória e a eficiência do Evangelho dependem dos homens que o proclamam. 

Quando Deus declara que ''quanto ao Senhor, Seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é perfeito para com Ele" (2 Crônicas 16.9), Ele declara a necessidade de homens e o fato de Deus depender de homens que são canal por meio do qual exerce Seu poder sobre o mundo. Essa verdade vital e urgente é o que esta era das máquinas tende a esquecer. 

Esquecê-la é funesto para a obra de Deus como seria desastroso se o sol desaparecesse da abóbada celestial. Seguiriam trevas, confusão e morte. O que hoje a Igreja necessita não é de mais e melhor maquinismo, de novas organizações ou mais e novos métodos, mas de homens a quem o Espírito Santo possa usar — homens de oração, homens poderosos na oração. O Espírito Santo não se derrama através dos métodos, mas por meio dos homens. Não vem sobre maquinaria, mas sobre homens. 

Não unge planos, mas homens — homens de oração. Um eminente historiador disse que os acidentes do caráter pessoal mais têm a ver com as revoluções das nações do que os historiadores, filósofos ou políticos democráticos o reconhecem. Essa verdade tem aplicação plena ao Evangelho de Cristo, ao caráter e à conduta dos seguidores de Cristo — Cristianiza o mundo e transforma nações e indivíduos. Em relação aos pregadores do Evangelho, é eminentemente verdadeiro. Tanto o caráter como o sucesso do Evangelho estão confiados ao pregador. Ele faz ou desfaz a mensagem de Deus ao homem. O pregador é o tubo de ouro pelo qual o óleo divino flui. O tubo deve ser não só dourado, mas também aberto e sem rachaduras, para que o óleo flua bem, sem obstáculo e sem desperdício. O homem faz o pregador. Deus deve fazer o homem. O mensageiro é, se possível, mais do que a mensagem. 

O pregador é mais que o sermão. O pregador faz o sermão. Como o leite nutridor do seio materno é a própria vida materna, de igual modo tudo o que o pregador diz está matizado e impregnado daquilo que o pregador é. O tesouro está nos vasos de barro e o sabor do vaso nele se impregna e pode descorá-lo. O homem, o homem todo, jaz atrás do sermão. A pregação não é tarefa de uma hora. É a manifestação de uma vida. São precisos vinte anos para fazer um sermão, porque são necessários vinte anos para formar o homem. O verdadeiro sermão é uma obra de vida. O sermão evolui porque o homem se desenvolve. O sermão é poderoso, porque o homem tem poder. O sermão é santo, porque o homem é santo. 

O sermão está cheio de unção divina, porque o homem está cheio de unção divina. Paulo denominou-o "Meu Evangelho"; não que o tenha degradado por suas excentricidades pessoais ou desviado por apropriação egoísta, mas o Evangelho foi colocado no coração e no sangue do homem Paulo, como uma responsabilidade pessoal, para ser executada pelas peculiaridades paulinas, a fim de trazê-lo em chamas e poderoso pela ígnea energia da sua alma ardente. 

Os sermões de Paulo — que lhes aconteceu? Onde estão eles? Esboços, fragmentos esparsos, flutuando no mar da inspiração! Mas, o homem Paulo, maior que os seus sermões, vive para sempre, em plena forma, figura e estatura com sua mão modeladora sobre a Igreja. A pregação é apenas uma voz. A voz morre no silêncio, o tema é esquecido, o sermão apaga-se da memória; no entanto, o pregador vive. O sermão não pode elevar-se em suas forças vivificadoras acima dos homens. Homens mortos tiram de si sermões mortos e sermões mortos matam. 

Tudo depende do caráter espiritual do pregador. Sob a dispensação judaica, o sumo sacerdote trazia um frontal de ouro com a inscrição "Santidade ao Senhor" em letras engastadas de joias. De igual modo, todo o pregador no ministério de Cristo deve ser moldado e dominado por essa mesma divisa sagrada. É uma vergonha berrante para o ministério cristão estar abaixo do sacerdócio judaico na santidade de caráter e na santidade de objetivo. Jonathan Edwards disse: "Eu continuei com minha busca intensa de mais santidade e conformidade com Cristo. O céu que eu desejava era o céu de santidade". 

O Evangelho de Cristo não é movido por ondas comuns. Não tem o poder de autopropagação. Move-se como se movem os homens que tomaram o encargo disso. O pregador deve personificar o Evangelho. As características divinas e mais salientes do Evangelho devem estar nele incorporadas. O poder do amor, que constrange, deve estar no pregador como uma força relevante, excêntrica, que o domina todo e o faz esquecer-se de si mesmo. A energia da abnegação própria deve constituir seu ser, coração, sangue e ossos. Ele deve seguir avante entre os homens como homem, revestido de humildade, cheio de brandura, prudente como a serpente, simples como a pomba; reunindo em si a sujeição de um escravo e o espírito de um rei, um rei de figura nobre, real e independente, e a simplicidade e doçura de uma criança. 

O pregador deve lançar-se a si mesmo, com todo o abandono de uma fé perfeita e esvaziada de si e um zelo que o consome, à sua obra para a salvação dos homens. Sinceros, heroicos, compassivos e intimoratos mártires devem ser os homens que conquistam a geração e a moldam para Deus. Se são tímidos contemporizadores e amigos das honras, se são amigos dos prazeres c medrosos, se a sua fé tem apenas pequena posse de Deus e de Sua Palavra, se a sua abnegação é quebrada por algum aspecto do ego ou do mundo, eles não podem apoderar-se da Igreja nem do mundo para Deus. A pregação mais penetrante e forte do pregador deveria ser feita a si mesmo. Sua obra mais difícil, delicada, laboriosa e radical deve ser consigo. A instrução dos doze foi a grande, difícil e paciente obra de Cristo. Os pregadores não são produtores de sermões, mas formadores de homens e de santos; e só quem fez de si mesmo um homem e um santo está bem instruído para essa obra. 

Não é de grandes talentos, de grandes estudos ou de grandes na rotina do culto. Para o púlpito moderno, a oração não é mais a força poderosa como o era na vida e no ministério de Paulo. Todo pregador que não faz da oração um poderoso fator em sua própria vida e ministério é fraco como um agente no trabalho de Deus e impotente para fazer prosperar a Sua causa neste mundo.

2. Nossa capacidade vem de Deus

As bênçãos mais doces, por uma leve perversão, podem produzir o mais amargo fruto. O sol dá vida, mas as insolações matam. Prega-se para dar vida; mas se pode obter morte. O pregador possui as chaves: tanto para fechar como para abrir. 

A pregação é uma grande instituição divina para a semeadura e o amadurecimento da vida espiritual. Quando convenientemente executada, seus benefícios são incalculáveis; quando erradamente realizada, nenhum mal pode superar seus resultados danificadores. 

É fácil destruir o rebanho, se o pastor for incauto ou o pasto for destruído; é fácil capturar a fortaleza, se as sentinelas estiverem adormecidas ou o alimento e a água forem envenenados. Investido de tais graciosas prerrogativas, exposto a tão grandes males, envolvendo tão numerosas e graves responsabilidades, seria uma caricatura da astúcia do diabo e um libelo contra seu caráter e reputação, se este não empenhasse suas influências mestras para adulterar o pregador e a pregação. Em face de tudo isto, a exclamação de Paulo "para estas coisas quem é idôneo?" não está fora de propósito. 

Paulo diz: "A nossa capacidade vem de Deus, o qual nos fez também capazes de ser ministros dum novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica" (2 Coríntios 3.5, 6). 

O verdadeiro ministério é tocado por Deus, capacitado por Deus e formado por Deus. O Espírito de Deus está sobre o pregador, ungindo-o de poder, o fruto do Espírito está no seu coração, o Espírito de Deus vitaliza o homem e a palavra; sua pregação dá vida, concede vida como a primavera desperta vida; dá vida como a ressurreição dá vida; outorga vida ardente como o verão dá vida ardente; dá vida frutífera como o outono dá vida frutífera. 

O pregador que ministra vida é um homem de Deus, cujo coração tem sempre sede de Deus, cuja alma está buscando a Deus constante e intensamente, cujos olhos estão postos só em Deus e em quem pelo poder do Espírito de Deus, a carne e o mundo foram crucificados e seu ministério é como a corrente abundante de um rio que dá vida. 

A pregação que mata não é uma pregação espiritual. A capacidade de tal pregação não vem de Deus. Fontes inferiores e não Deus lhe deram energia e estímulo. O Espírito não se manifesta nem no pregador, nem na pregação. Muitas espécies de forças podem ser projetadas e estimuladas por uma pregação que mata, mas elas não são forças espirituais. Podem assemelhar-se às forças espirituais, mas são meramente sombras e falsificações; podem parecer que têm vida, mas essa vida está magnetizada. A pregação que mata é da letra; pode ter bela forma e ordem, mas continua a ser letra, letra rude e seca, casca nua e vazia. 

A letra pode ter nela o gérmen da vida, mas não tem a aragem da primavera para despertá-la; são sementes do inverno, tão duras quanto o solo hibernal, tão gélidas como o ar de inverno, e por elas não se derretem nem germinam. 

A pregação da letra contém a verdade. Mas, ainda que verdade divina, sozinha não possui energia vivificante; deve ser revigorada pelo Espírito, com todas as forças divinas atrás de si. A verdade que não for vivificada pelo Espírito de Deus, embota tanto quanto ou mais do que o erro. 

Pode ser uma verdade sem mistura; mas, sem o Espírito, o seu matiz e o seu toque são mortais; sua verdade, erro; sua luz, trevas. A pregação da letra não é ungida, nem suavizada, nem lustrada com óleo pelo Espírito. Pode haver lágrimas; lágrimas, porém, não podem pôr em movimento a maquinaria de Deus; as lágrimas podem ser apenas uma brisa de verão sobre um iceberg coberto de neve, só derrete a superfície e nada mais. Podem haver emoção e ardor, mas é a emoção de um ator e ardor de um advogado. 

O pregador pode sentir o entusiasmo do seu próprio brilhantismo, ser eloquente sobre sua própria exegese, ardente para transmitir o produto de seu próprio cérebro; o professor pode usurpar o lugar e imitar o fogo de um apóstolo; cérebros e nervos podem preencher o lugar e simular a obra do Espírito de Deus, e com estas forças a letra pode irradiar luz e brilhar como um texto iluminado, mas o brilho e a centelha serão tão destituídos de vida como o campo semeado de pérolas. 

Um elemento mortal jaz atrás das palavras, do sermão, da ocasião, dos modos, da ação. O maior obstáculo está no próprio pregador. Não traz em si mesmo as forças poderosas que produzem vida. Pode não haver desconto na sua ortodoxia, honestidade, pureza ou ardor; mas, de algum modo, o homem, o homem interior, no íntimo, nunca se tenha quebrantado e sujeitado a Deus; sua vida interior não seja uma grande via para a transmissão da mensagem de Deus, do poder divino. De alguma forma, é o ego e não Deus quem governa o santo dos santos. 

Em algum lugar, sem que disso tenha consciência, algum elemento espiritual incondutível tenha tocado no seu interior e a corrente divina tenha sido detida. Seu ser interior nunca sentiu o quebrantamento espiritual completo, sua total incapacidade; nunca aprendeu a clamar com um clamor indizível de desespero de si mesmo e impotência própria, até que venha o poder de Deus e o fogo divino e o encha, purifique e torne capaz. 

O amor-próprio e a aptidão própria, de alguma forma perniciosa, profanaram e violaram o templo que devia estar consagrado a Deus. A pregação vivificante custa muito ao pregador: a morte do ego, crucificação para o mundo, iluminação da própria alma. Só a pregação crucificada pode dar vida. E a pregação crucificada só pode vir de um homem crucificado.

3. O exercício mais nobre do homem

A pregação que mata pode ser, e muitas vezes é, ortodoxa — dogmática e inviolavelmente ortodoxa. Amamos a ortodoxia. A ortodoxia é boa e é a melhor. É o puro e claro ensinamento da Palavra de Deus, os troféus ganhos pela verdade na sua luta com o erro, obstáculos que a fé levantou contra o transbordamento desolador da crença errada ou da incredulidade honesta, ou negligente; mas a ortodoxia, clara e dura como cristal, vigilante e militante, pode ser apenas a letra de bela forma, de renome e bem estudada, a letra que mata. Nada é tão morto como uma ortodoxia morta, morta demais para especular, demasiadamente morta para pensar, para estudar ou para orar. 

A pregação que mata pode ter discernimento e encerrar princípios, pode ser erudita e crítica em gosto, pode ter todas as minúcias da derivação e gramática da letra, pode ser capaz de compor a letra segundo seu perfeito padrão e iluminá-la como Platão e Cícero podem ser iluminados, pode estudá-la como um advogado estuda seus manuais para formar seus autos ou para defender seu caso, e pode ser ainda como uma geada, uma geada mortífera. A pregação-letra pode ser eloquente, esmaltada de poesia e retórica, borrifada de oração, temperada de sentimento, iluminada pelo gênio e tudo isso ainda pode ser só puros acessórios custosos e volumosos, flores raras e belas que embelezam o defunto. 

A pregação que mata pode ainda não ter erudição, não ter qualquer refrigério de pensamento ou sentimento, revestida de elementos sem gosto ou especiarias insípidas, de estilo irregular e desalinhado, não tendo o sabor do recolhimento espiritual nem do estudo, não estar agraciada por pensamentos nem por expressão, nem por oração. Quão grande e total a desolação sob tal pregação! Quão profunda a morte espiritual! Essa pregação-letra lida com a superfície e a sombra das coisas e não com as próprias coisas. Não penetra a parte íntima. Não tem discernimento profundo, alcance forte, vida latente da Palavra divina. É verdadeira no seu exterior, mas o exterior é a casca que deve ser quebrada e penetrada para alcançar a amêndoa. A letra pode estar vestida de tal modo a atrair e ser elegante, mas a atração não é em direção a Deus, nem é o fascínio do céu. A derrota está no pregador. Deus não o fez. 

Ele nunca estivera nas mãos de Deus como a argila nas mãos do oleiro. Ocupara-se com o sermão, seu pensamento e acabamento, sua redação e suas forças impressionantes, mas as profundas coisas de Deus nunca foram pensadas, estudadas, sondadas e experimentadas por ele. Nunca estivera de pé diante do "trono alto e sublime", nunca ouvira os cânticos de serafim, nunca tivera visão nem sentira o impacto da imponente santidade, e clamara num completo abandono e desespero sob a consciência da fraqueza e da culpa. Nunca tivera a sua vida renovada, seu coração tocado, purificado, inflamado pela brasa viva do altar de Deus. Seu ministério tem poder de atrair o povo para si, para a igreja, para a forma e cerimônia; mas não há real atração para Deus, nem indução à comunhão doce, santa e divina. 

A igreja tem sido refrescada, mas não edificada; agradada, mas não santificada. A vida é suprimida; há calafrio mesmo no verão; o solo está queimado. A cidade do nosso Deus transforma-se numa cidade de mortos; a Igreja, um cemitério e não um exército em batalha. Louvor e oração estão sufocados; a adoração, morta. 

O pregador e a pregação auxiliaram o pecado e não a santidade; povoaram o inferno e não o céu. A pregação que mata é a pregação sem oração. Sem oração, o pregador gera a morte e não a vida. O pregador que é débil na oração, é débil em forças vivificantes. O pregador que se afastou da oração como elemento conspícuo e predominante do seu próprio caráter despojou sua pregação do característico poder vivificador. Há e haverá oração profissional, mas a oração profissional ajuda a pregação na sua obra de morte. A oração profissional enregela e mata tanto a pregação como a oração. 

Muito da devoção frouxa e das atitudes indolentes e irreverentes na oração congregacional é atribuído à oração profissional do púlpito. Longas, discursivas, secas e fúteis são as orações em muitos púlpitos. Sem unção ou coração, caem como uma geada mortífera sobre todas as graças da adoração. São orações que trazem a morte. Todo o vestígio de devoção pereceu sob seu sopro. Quanto mais mortas forem elas, mais crescem em extensão. É necessária uma instância por oração curta, oração viva, oração realmente de coração, oração pelo Espírito Santo — oração direta, específica, ardente, simples e ungida, no púlpito. 

Uma escola para ensinar os pregadores a orarem, oração que Deus considera como oração, seria mais benéfica para uma piedade verdadeira, adoração legítima e pregação real, do que todas nas escolas teológicas. Para! Faça uma pausa! Considere! Onde estamos nós? Que estamos fazendo? Pregando para matar? Orando para matar? Orando a Deus, o grande Deus, o Criador de todos os mundos, o Juiz de todos os homens! Que reverência! Que simplicidade! Que sinceridade! Que verdade é exigida nas partes íntimas! Quão verdadeiros devemos ser! Quão sinceros! Orar a Deus é o exercício mais nobre, o esforço mais sublime do homem, o fato mais real! 

Que suprimamos para sempre a maldita pregação que mata e a oração que mata, e vamos pôr em prática a coisa real, a coisa mais poderosa: a oração que é realmente oração, e a pregação vivificadora que traz a força poderosa que sustenta o céu e a terra e que extrai os tesouros abertos e inesgotáveis de Deus para socorrer a necessidade e indigência extrema do homem.